O advogado-geral do estado de Minas Gerais, Sérgio Pessoa de Paula Castro, foi um dos palestrantes, nesta terça-feira, na 24ª Conferência Nacional da Advocacia Brasileira, que ocorre no Expominas, em Belo Horizonte, até amanhã (29.11).
Ele abordou os temas Honorários dos Advogados Dativos e o Sistema Multiportas de Solução de Conflitos no painel número 12, que contou com a participação do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), e de outras autoridades.
Veja abaixo das fotos o discurso completo do advogado-geral do estado.
Confira, abaixo, o discurso do advogado-geral do estado na 24ª Conferência Nacional da Advocacia Brasileira
“Excelentíssimas autoridades presentes na 24ª Conferência Nacional da Advocacia Brasileira,
É uma honra estar presente nesta conferência dedicada às discussões vitais sobre “Constituição, Democracia e Liberdades”. Nesta oportunidade, gostaria de compartilhar reflexões pertinentes aos honorários dos advogados dativos e à influência do sistema multiportas na solução de conflitos.
A atuação da Advocacia-Geral do Estado de Minas na promoção do sistema multiportas é intrínseca à sua missão de defesa do interesse público, desjudicialização, redução da litigiosidade e inovação nas políticas públicas. A Lei Complementar Estadual nº 151, de 2019, foi um marco nesse processo, evidenciando o compromisso com a busca por soluções extrajudiciais.
Com o advento desta lei, a desjudicialização adquiriu maior destaque em nossa instituição. Cita-se, como exemplo de medida implementada para esse fim, a criação da Câmara de Prevenção e Resolução Administrativa de Conflitos (CPRAC), que tem como objetivo primordial a busca por soluções extrajudiciais para os conflitos, a promoção da pacificação social e a redução da litigiosidade.
A criação de uma Câmara e Resolução de Conflitos como a CPRAC da AGE-MG é uma medida visualizada para fazer face ao momento, já amadurecido, de solução adequada aos litígios. A expansão das ferramentas no repertório de trabalho, capazes de trazer solução aos litígios, é medida que se faz necessária aos advogados e às instituições de modo a resolvê-los e não apenas propor medidas judiciais. Essa postura no assessoramento jurídico prévio é primordial nos dias de hoje. Descobrir qual é o problema e qual a melhor forma para o acesso à justiça no caso concreto são questões inerentes às atividades dos operadores do Direito nos nossos dias, que demandam uma análise holística dos litígios. Um ponto já resta claro: resolver litígios não se restringe a ajuizar ação. Os paradigmas mudaram e essa mudança exige modificação de postura, de estrutura e cultura para atingir os verdadeiros objetivos do acesso eficiente à justiça. A CPRAC foi assim criada como um instrumento de “catalisação” do sistema de justiça e de cooperação interinstitucional com o Judiciário, com o MP e com outras diversas
instituições jurídicas e políticas, com o objetivo de diálogo permanente e promissor, principalmente quando se está diante de um litigante habitual, como são os entes estatais, por intermédio das Advocacias Públicas.
Não é por outra razão que conformações similares vêm sendo adotadas pelas advocacias públicas, com o nítido fim de promoção da cultura da desjudicialização, sendo implementada também por Procuradorias-Gerais de outros Estados, como por exemplo, pela Procuradoria-Geral do Estado de Ceará (PGE-CE), pela Procuradoria-Geral do Estado do Amazonas (PGE-AM) e pela Procuradoria-Geral do Estado de Alagoas (PGE-AL).
Essa providência vai ao encontro da nova visão processual e de tratamento de litígios, inaugurada pela Resolução nº 125/2010 do CNJ e pelo Código de Processo Civil de 2015. Há a partir de então a conformação e materialização do sistema multiportas, por meio do qual não existe mais como única forma de resolução, a submissão de conflitos ao Poder Judiciário. Este passa a ser uma das possibilidades de tratamento de litígios, admitidas outras modalidades de resolução, demonstrando a maturidade de um processo iniciado, segundo alguns autores, na década de 60.
Aponta-se o Decreto-lei 70/66 que possibilitou a execução extrajudicial de dívidas hipotecárias contraídas no Sistema Financeiro Habitacional, como uma das primeiras normas brasileiras de desjudicialização. Talvez tenha sido, inclusive, a maturidade que hoje alcançamos que tenha ensejado, no Tema nº 249 do STF, recentemente julgado (19/04/2023), a sua declaração de constitucionalidade e a recepção do referido normativo pela Constituição da República de 1988.
Todas essas ações têm especial relevância no contexto atual, marcado pela complexidade das relações sociais e, consequentemente, pelo aumento significativo de conflitos judiciais. É notória a nocividade do abarrotamento do Judiciário no que se refere à satisfatória entrega da prestação jurisdicional à sociedade. Dentro desse cenário, a atuação dos advogados dativos se destaca como um pilar essencial para a efetivação da justiça, especialmente quando se trata da representação de partes que não têm condições de arcar com os custos advocatícios.
Entretanto, a rotina para o pagamento dos honorários devidos aos dativos no Estado de Minas Gerais exigia a judicialização da demanda, o que acabava por acarretar a abertura de alto número de morosos processos. Chegavam ao sistema da AGE-MG em torno de 800 intimações diárias envolvendo estas demandas, compondo 30% de todos os avisos enviados à Instituição pelo sistema Tribunus. Em dezembro de 2022, o acervo de ações de cobrança sobre o tema na AGE era de cerca de 50 mil processos.
São evidentes os desafios enfrentados pelos advogados dativos em sua jornada, especialmente no que diz respeito à remuneração pelos serviços prestados. Nesse sentido, cumpre ressaltar que os honorários constituem um direito do advogado e possuem natureza alimentar, conforme jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça. Ademais, as verbas devidas aos dativos decorrem de comprovado exercício de múnus público referente à prestação de serviços de excepcional importância social, relacionados à satisfação do direito de acesso à justiça. Assim, a necessidade da retomada dos pagamentos administrativos dos honorários se dá não apenas no âmbito da valorização da advocacia, mas também para garantir os direitos do cidadão que é assistido na Justiça por esses profissionais.
Diante desse contexto, no ano de 2022, a Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais deu início a projetos cooperativos com o Tribunal de Justiça de Minas Gerais e a Ordem dos Advogados do Brasil para, em esforços conjuntos, instituir instrumentos que permitissem a retomada do pagamento administrativo dos honorários dos advogados dativos, suspenso por cerca de uma década no Estado. Além de promover a desjudicialização e o maior controle das despesas públicas, a iniciativa garantiu o devido pagamento a milhares de profissionais da advocacia, por meio da implementação da Certidão de Pagamento de Honorários Dativos – CPHA, certidão padronizada emitida eletronicamente pelo TJMG em favor do dativo, a qual é encaminhada à AGE para pagamento administrativo em até 90 dias. A certidão permite que o advogado receba o valor devido em um menor prazo, sem a necessidade de judicialização da cobrança.
Com menos de um ano de consolidação do projeto, a efetividade dos pagamentos cresceu em cerca de 4.900%, quantitativo apoiado pela criação, no âmbito interno da AGE, de novos sistemas e Softwares de Processamento Inteligente, os quais permitiram a automatização de etapas do processo de pagamento das novas certidões. Em paralelo, o sistema multiportas surge como uma alternativa inovadora para a resolução de disputas. Ao promover métodos alternativos de solução de conflitos, como a mediação e a arbitragem, esse sistema busca aliviar a carga do Judiciário, proporcionando uma resposta mais rápida e eficaz aos litígios. Diante disso, em dezembro de 2022, concomitantemente à CPHA, também em comunhão de esforços com o TJMG e a OAB-MG, foi instituído um mutirão para a realização de acordos para pagamento de honorários já judicializados, por meio de proposta que segue o padrão definido na tabela de honorários da OAB-MG. Desse modo, observou-se que a nova maneira de se lidar com o pagamento dos Advogados dativos proporcionou mudanças positivas em antigas e consolidadas práticas,
promovendo a desjudicialização, a conciliação e a maior eficiência na quitação dos honorários, configurando-se como um modelo que pode ser implantado em todo o país.
A iniciativa apresentada se dá em conformidade com uma tendência mundial de superação da histórica visão do litígio judicial como uma única forma de encerramento de conflitos, no qual há um vencedor e um perdedor, declarados pelo magistrado. Caminha-se, a passos largos, para a construção de um novo horizonte, de uma nova cultura, no qual a instauração de ação judiciais é uma das possibilidade de acertamento, a ser utilizada após exaurimento de outras técnicas. Observa-se a promoção de mudanças estruturais, no aperfeiçoamento intrínseco do papel das instituições de justiça, dentre elas a advocacia pública. Nesse novo cenário, as partes desempenham uma postura ativa e dialógica, para a construção colaborativa da resolução dos litígios.
As multiportas que ora se apresentam permitem que o litígio seja tratado de forma adequada, empregando-lhe a melhor modalidade de condução, de acordo com suas particularidades. À advocacia pública caberá, nesse novo contexto de tratamento de litígios, a análise concreta do caso, a identificação de seus elementos e a sugestão de modalidade de tratamento para resolução. Ressalta-se a premissa, topologicamente disposta nos primeiros artigos do CPC de 2015, sobre a exigência de que “o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos” (§ 2º do art. 3º do CPC/2015). Mais uma vez observe-se a literalidade da obrigação posta ao Estado, ou seja, a todas as instituições políticas e jurídicas sujeitas ao ordenamento jurídico brasileiro.
Essa nova visão é reforçada em vários dispositivos do Código de Processo Civil, que apesar de regular o processo jurisdicional, dedica um capítulo inteiro à mediação e conciliação, confirmando em toda a sua estrutura a abertura para o sistema multiportas. Assim, o CPC/2015 convida a todos os atores do processo a atuarem de forma dialogica, consensual e impulsionadora do sistema multiportas.
Notadamente quanto à expressividade e habitualidade do litígio dos entes públicos, representados pela da advocacia pública, a mudança cultural se faz imprescindível no adequado tratamento e prevenção de litígios, em especial, no exercício de um papel catalisador na promoção da desjudicialização e no aperfeiçoamento de políticas públicas. Sobre esse ponto, o Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado (PMDI-2019/2030) estabelece-lhe como diretrizes estratégicas: I) Alcançar menor nível de judicialização de controvérsias e alto índice de casos resolvidos de forma preventiva e extrajudicial; e II) Garantir agilidade e segurança jurídica para a viabilização de políticas públicas, mediante a proposta de alternativas legais, eficientes e seguras e interface próxima ao público interessado.
Os expressivos resultados obtidos pela na regularização do pagamento de honorários aos advogados dativos evidenciam a importância do diálogo interinstitucional para que sejam atingidos os objetivos de promoção da desjudicialização, de prevenção e tratamento adequado de litígios e da defesa do interesse público. A chave de sucesso na elaboração das práticas deveu-se à articulação entre os entes envolvidos, que mantiveram diálogo e cooperação constantes, juntamente com o interesse dos advogados dativos em chegarem a um acordo no caso dos mutirões. Foi com a existência desse alinhamento, e por meio da colaboração, que se conseguiu obter o sucesso voltado à desjudicialização, à conciliação de interesses, à sinergia de ações entre as instituições envolvidas, bem como ao estímulo à advocacia dativa para a continuidade da prestação da assistência judiciária nas localidades onde a Defensoria Pública não consegue atuar ou mesmo tem dificuldades de atuação.
O diálogo é o elemento essencial para que juntos possamos avançar na mudança de perspectiva inaugurada pela Resolução nº 125/2010 do CNJ e pelo Código de Processo Civil de 2015 incentivando a comunicação interinstitucional para concretizar o acesso eficiente à Justiça.
Ao encerrar, agradeço a atenção de todos e convido-os a se abrirem para as novas possibilidades que o Direito vem apresentando expandindo as suas atuações no objetivo trazer efetividade do acesso à Justiça”.